domingo, 12 de dezembro de 2010

Técnicas de Reportagem e Entrevista - Jornalismo Literário

Dias de Branco
(por Alex Augusto, Felipe Soares e Samuel Rocha)

Sento-me mais uma vez no lugar de sempre, após mais um dia de trabalho. Os outros lugares, logicamente, estão vazios... Não passa de seis horas. Como todos os outros dias, acendo um cigarro e vejo-o queimar pacientemente enquanto aguardo minha cerveja, já conhecida pelo dono do bar. Dono do bar, este, que me cumprimenta efusivamente ao aparecer, convidando-me para “brincar” uma partida de sinuca. O jogo decorre sem muita conversa, não pela falta de intimidade entre os participantes, uma vez que sou cliente freqüente, mas pela falta de hábito, e de talento, de ambos em praticar aquela atividade. A última bola cai (minha, contando um pouco com a sorte), o jogo termina e volto para meu antigo lugar, me rendendo mais uma vez ao vício do tabaco.
Poucos minutos depois, meu derrotado adversário reaparece com a minha (ainda aguardada) cerveja e senta-se ao meu lado. Nesse momento, depois de olhar em volta despreocupadamente, Branco, o dono do bar, vira-se para mim e pergunta: “E aí Felipão, como estão as coisas?”. É nessa hora que, todos os dias, o Branco deixa de existir e entra em cena o José. José marido da Rosa, pai do Vinícius e do Dudu, como milhares de outros por aí afora. Só que, diferente de todos os outros e também de Branco, eu e José somos amigos.
Todos os dias, durante 15 ou 20 minutos, eu me encontro com José e conversamos exclusivamente sobre nossas vidas. Profundamente apegado a família, José me conta sobre as brincadeiras e a educação de seus filhos, sobre parentes que já não vê há muito e sente suas faltas e o quanto ama sua mulher. Também me conta sobre os problemas, as contas, os calotes, tudo. José se abre para mim tão sem reservas que certas vezes lamento não ter tanto o que dividir de volta, me limitando a ouvir em silêncio, até o segundo cliente do dia chegar e o mesmo se despedir de mim até o dia seguinte.
Por muitas vezes tentei imaginar José no convívio de sua casa, de seus amigos, mas sempre fui barrado pela figura de Branco, presente o resto da noite, o que me levava, em um exercício de imaginação, a tomar os atos de um como sendo os de outro, nas mais diferentes situações. Quando Branco ralha com algum cliente devido a insistência em não baixar o som após inúmeros pedidos, por exemplo, imagino José disciplinando um filho teimoso (e os dele sem dúvida são) que custa a seguir uma ordem do pai. Ou então, quando vejo Branco cobrar um fiado já de longa data a um mau pagador, penso em José analisando as contas e fazendo o orçamento do mês, a fim de suprir as necessidades de sua família.
Não que os dois não sejam parecidos, pelo contrário: qualquer pessoa que conheça apenas um dos dois confundiria o outro facilmente pela rua. Os dois têm os olhos claros e encabeçados por duas grossas sobrancelhas pratas, assim como seus cabelos, que somados às suas peles sulfite, definiram a alcunha do que mais vejo. Ambos também têm os dentes irregulares e o aspecto frágil, que é facilmente deixado de lado ante uma situação necessária. Ainda assim, José possui uma diferença gritante que, ironicamente, é percebida por poucos.
Aconteceu ao final de uma dessas noites, iguais tantas outras que passei por lá. Depois de horas tentando visualizar um traço que seja de José no Branco, levantei para me despedir do último. Com a mulher e os filhos já esperando no carro, Branco me cumprimentou e perguntou se eu voltava amanhã, como todas as noites. Mas, diferente das anteriores, dessa vez eu reparei em seu olhar, tão intenso que não pude deixar de perceber que aquele não era mais o Branco, já era José, partindo rumo sua vida normal de José. Respondi afirmativamente e, sorrindo, não pude ir antes de acrescentar, parafraseando minha mãe em relação aos dias de semana: “Lógico, amanhã é dia de branco!”.

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